terça-feira, 24 de maio de 2011

Sopros e gotas.

Meus olhos doem. Procuro a mão de alguém, impossível. Antes disso procuro o chão, tudo horrível.
Olhos lacrimejam demais, o nariz tem um formigamento incessante, minha garganta parece fechada com uma grande quantidade de algodão. A tosse é inevitável.
Recobro aos poucos a visão. Não há tempo de recobrar completamente todos os sentidos. Ao ficar em pé, ouço um zunido e é o suficiente para sentir a bordoada no rosto. Não só uma, várias vezes sou acertado por algo fino. Consigo notar que é um escudo da polícia. Quanta dor. Quanta inumanidade. O sangue se mistura com minhas palavras sussurradas, parece improvável que o agente do Estado vai me ouvir. Não há uma pessoa ali? Por que então me bate com tanta força.

Ouço ao longe gritos. Passos aceleram, os olhos estão cada vez pior. Quem me batia recua. Não, apenas tomou novamente posição, vejo um muro da ignorância se formando no front. Choro. Sangro. Sonho.

A avenida está tomada dos dois lados. O combate é iminente. Olho para trás, não reconheço as pessoas. Faço um sinal com a mão para que parem. E o fazem. Olho para a tropa inumana. Caminho me arrastando, a dor é grande, costela quebrada, punho quebrado, dentes me abandonam. Um trapo humano, mais ainda com idéias. O escudo me separa dos outros agora. E encaro todos os olhares dos policiais. Ele não reagem. Tenho fúria no olhos, que bicho não se sente ameaçado ao olhar furioso da revolta, revolta minha, revolta deles, revolta todos.
Levanto um dedo e encosto no escudo, o policial desmaia, os companheiros deles ficam assustados. Aponto para outros dois. Eles caem. Choro. Cada lágrima que se mistura ao sangue misturado com poera faz arder a última chama de vida. A tropa de choque mira armas em mim. Nada acontece. Sentelha da dor humana, nada mais me atinge. Todos eles largam as armas. Se levantam, pega suas armas novamente.
Sorrio. Um aponta para o que eles protegiam. Julga aquilo errado. Oferece apoio àquela marcha. Não haverá derramamento de sangue dos olhos e mãos em fúria nas ruas. Além do meu. Sorrio.

Tudo engano. Ainda estou caido, e a tropa marcha sobre meu corpo estendido, em raiva por morrer. Da sina, marchamos inconstamente a morte sempre levados pela vida. Vivida até o fim se assemelha a luta. Mesmo que a morte alheia seja um barulho de pedras caindo em outras pedras, agua derramando em mar, sopro na ventania. Porém, ainda existe e mantém o concreto da existência. Essa que se acaba para mim, mas sinto meu corpo ser levado na ventania. Sinto meu sopro tornando-se lindas melodias. Não há mais tempo. Uma pena. Sigam. Por favor. Sigam em frente.

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